EMPRESAS TEM PAPEL FUNDAMENTAL PARA ERRADICAR O RACISMO
A injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todos os lugares. Todas as pessoas estão presas numa mesma rede inescapável de mutualidades, entrelaçadas num único tecido do destino. O que quer que afete um diretamente, afeta a todos indiretamente, escreveu Martin Luther King enquanto estava encarcerado em Birmingham, no Alabama, em 1963.
Mais de meio século depois, em maio de 2020, após os assassinatos de George Floyd, Ahmaud Arbery, Breonna Taylor e Rayshard Brooks, a atenção do mundo se voltou para o que incomoda aquele país há séculos. O racismo está profundamente entrelaçado no tecido da América. No caso específico de George Floyd, a imediata reação contra a violência policial e contra a discriminação racial provocou protestos nos quatro cantos do planeta. A pergunta é: por que a morte de Floyd desencadeou esse movimento global antirracismo, enquanto outras inúmeras mortes (o Brasil mesmo tem um longo histórico de crimes raciais) não provocaram a mesma revolta? Como bem comparou a The Economist, Floyd era americano e o mundo presta mais atenção nos Estados Unidos do que no Brasil, no México ou em qualquer outro país. Sua morte foi filmada em detalhes em um momento em que milhões de pessoas estavam confinadas em casa por causa da COVID-19, atentas à TV e às mídias sociais.
Os protestos marcaram a aversão a policiais que espancam ou matam aqueles a quem deviam proteger. Assim como aconteceu com as mulheres que abraçaram o movimento #MeToo, manifestantes ao redor do mundo se uniram em torno do grito de que vidas negras importam.
Embora esses casos recentes tenham tido uma imensa repercussão, muitos outros não são documentados pela mídia, mas são testemunhados e vividos em comunidades negras em diversos países. Cada caso evidencia a injustiça, as desigualdades e a constante ameaça com as quais pessoas pretas convivem todos os dias, gerando traumas permanentes.
O racismo ainda permeia o mundo, e os eventos que aconteceram deixaram muitos de nós refletindo sobre o que podemos fazer para enfrentar forças culturais, econômicas e políticas que o alimentam. Um dos debates mais complexos e importantes foi sobre se os brancos deveriam lutar ou deveriam silenciar e ouvir, pois não teriam lugar de fala.
Djamila Ribeiro, filósofa e autora do livro “Lugar de Fala”, reforça que todo mundo tem esse lugar; “não é desculpa para não agir”. Pesquisas mostram que, quando grupos majoritários ficam calados e quietos, inadvertidamente, licenciam a opressão de grupos marginalizados. Em ambientes de trabalho, há evidências de que mulheres e minorias são frequentemente hostilizadas ou penalizadas por promover a diversidade e a igualdade, enquanto homens brancos são mais propensos a ser apoiados e valorizados por isso.
É essencial que empresas, como prestadoras de serviços à sociedade, se envolvam com a questão do racismo e da discriminação, tanto por conta de um posicionamento perante seus colaboradores – injustiça social e racismo são prejudiciais à saúde física e psicológica das pessoas – quanto para demonstrar compromisso com a diversidade, justiça social e direitos humanos. “As marcas precisam representar seus consumidores, que são multiculturais, tem diversas origens e consomem seus produtos.[…] E as marcas precisam estar junto dessa comunidade global para dizer que elas repudiam isso [o racismo], porque as marcas são feitas de pessoas. Significa que os CEOs, VP e diretoria devem agir de maneira efetiva”, argumenta Paulo Rogério Nunes, consultor de diversidade e autor do livro “Oportunidades Invisíveis”.
Uma empresa pode optar por não assumir um posicionamento sob pretexto de que é mais prudente não se envolver em questões sociais ou políticas? Ou de que um posicionamento pode associá-la a algum lado político – esquerda ou direita? Sim, uma organização pode optar por ficar quieta. No entanto, essa postura é problemática por algumas razões. Primeiro, o racismo não é uma questão política. Reconhecer isso é uma expressão de valores fundamentais. Em segundo lugar, o próprio silêncio é um posicionamento, particularmente sobre a questão dos “valores fundamentais” em que não existe território neutro. Ignorar o problema pode enviar a mensagem de que a organização não considera essa luta suficientemente importante ou, pior ainda, que não reconhece o racismo como um problema.
O racismo é um problema estrutural profundo. Um problema que não conseguiremos resolver de dentro de nossas casas, apenas postando em nossas redes sociais. A verdade é que hoje, a maioria das empresas é parte do problema, não da solução. Muitas empresas se veem como neutras na discussão, mas é preciso que saibam que neutralidade em um cenário como o racismo é se posicionar em favor da injustiça. É deixar um rio que corre para o lado errado continuar correndo enquanto a marca só observa.” – Gabriela Rodrigues.
Particularmente, decidi não consumir conteúdos, produtos ou serviços de empresas que não se posicionam, mas que continuam se expondo como se nada estivesse acontecendo, numa realidade paralela. Uma empresa do século XXI têm que estar atentos às questões sociais.
No Brasil, a profundidade do preconceito racial foi evidenciada com a pesquisa “As Faces do Racismo”, divulgada no mês passado: nove em cada dez brasileiros dizem que negros têm mais chance de serem abordados de forma violenta pela polícia. A pesquisa foi realizada pelo Instituto Locomotiva, a pedido da CUFA (Central Única de Favelas), organização fundada dentre outros por Celso Athayde, uma das vozes mais importantes para acompanhar.
Então, o que as empresas e seus líderes podem fazer para contribuir com a erradicação do racismo? Como contribuir para construir futuros melhores?
Embora minha experiência profissional sobre esse assunto seja limitada, consolidei recomendações de especialistas a partir de algumas leituras, como no Knowledge@Wharton, MIT Sloan Management Review e Nexo:
1- A voz e o exemplo dos líderes e gestores:
Eles precisam se manifestar e comunicar – principalmente aos seus colaboradores – seu posicionamento em relação à diversidade, violência, ódio e racismo. Se a mentalidade e o comportamento deles não incorporarem os princípios das novas iniciativas, ferramentas, práticas ou políticas de diversidade e inclusão (D&I) ou equidade, diversidade e inclusão (ED&I), de nada adiantará. Nós humanos aprendemos quando fazemos algo e aprendemos pelo exemplo; se as mensagens e os exemplos estiverem divergentes, ninguém vai se comprometer o suficiente para mudar.
2- Conversar com quem entende do assunto:
líderes devem conversar com consultorias voltadas à promoção da diversidade & inclusão e empreender na contratação e revisão de processos para um ambiente não apenas mais diverso mas também favorável às discussões de cunho social.
3- Representatividade e diversidade nas empresas:
Hoje, se uma marca não emprega pessoas pretas com proporcionalidade, ela é parte do problema. Se não paga os mesmos salários, se não promove para cargos de liderança também com proporcionalidade, ela é parte do problema. Aqui, se faz necessário programas não só de inclusão, mas de desenvolvimento e crescimento dessas pessoas dentro das empresas. O viés racial prejudica em quase todo o ciclo do emprego, como seleção, negociações salariais, mobilidade ascendente e retenção.
4- Buscar entendimento:
Líderes e gestores precisam ser humildes o suficiente para procurar entender questões raciais mais profundas; para perceber que não sabem o que pessoas de outras raças experimentam; para que reconheçam os danos do racismo pessoal e institucional ou do preconceito inconsciente. Para isso, precisam buscar conhecimento e informação sobre como o racismo estrutural afeta a vida das pessoas. Isso significa procurar materiais, pesquisas e livros sobre o problema e como fazer parte da solução (fiz uma listinha de livros, veja abaixo). Buscar um melhor entendimento, os ajuda a definir ações e torná-los melhores aliados nessa erradicação. Também aumenta a empatia com as experiências dolorosas que os negros tiveram no Brasil e que ainda perduram no cotidiano, como preconceitos e discriminação no ambiente de trabalho.
5- Walk the Talk (agir)
Embora seja importante falar e reconhecer injustiças, líderes devem ir além disso, envolvendo-se em ações e comportamentos que endossem suas palavras. Os negros nos EUA são especialmente sensíveis às discrepâncias entre o que os líderes dizem e o que fazem. Um exemplo de ação é a criação de espaços para diálogos sobre como os funcionários estão sendo afetados por esses eventos.
6- Falar de questões raciais no ambiente de trabalho:
Tanto gerentes quanto funcionários podem se sentir desconfortáveis em falar sobre questões raciais, ou terem receio de ser chamados de racistas. Para erradicar o racismo sistêmico, é importante que os gestores propiciem ambientes seguros para que tenham essas conversas, garantindo uma comunicação respeitosa e construtiva. Ambientes seguros podem implicar o compromisso de manter as conversas em sigilo, não compartilhando os nomes das pessoas que contribuem para os diálogos. É importante que gerentes brancos, independentemente de sua experiência, também aprendam a facilitar essas conversas, se eles forem os responsáveis por contribuir para uma agenda de mudança antirracista no trabalho. Os gerentes, inclusive, podem cultivar uma rede de relacionamentos com aliados internos (outros gerentes) e externos (professores, colegas, clientes) que investem em diversidade, equidade e inclusão, compartilhando conhecimento, dicas e recursos. Esses espaços podem dar suporte e também oportunidade para pessoas com menos conhecimento sobre racismo sistêmico e estrutural aprenderem com seus colegas sobre como esses eventos os afetam. Essas conversas podem ajudar a melhorar o clima organizacional.
7- Investir:
A empresa pode procurar formas de alinhar suas atividades e seu compromisso de responsabilidade social, apoiando iniciativas que busquem fortalecer minorias e grupos vulneráveis. As marcas podem se fazer presentes oferecendo recursos para projetos sociais, de capacitação ou até para fomentar a cultura negra. Outra maneira é se afastar de parceiros de negócios que estejam contribuindo diretamente para o problema. A Universidade de Minnesota por exemplo, cortou laços com o Departamento de Polícia de Minneapolis.
Raramente somos desafiados em nossa visão de mundo racial. A maioria dos brancos nasce e morre em meio à segregação racial, sem relacionamentos sustentados autênticos entre diferentes raças, principalmente com pessoas negras.[…] O termo ‘fragilidade’ trata do pouco que é necessário para nos expulsar de nossas zonas de conforto racial.” – Robin DiAngelo.
Obviamente, uma das maneiras mais poderosas para erradicar o racismo é amplificar a voz daquelas pessoas com uma compreensão mais profunda do assunto. Nesse espírito, selecionei alguns livros que podem inspirar o que pode ser feito:
1- Racismo estrutural, de Silvio Almeida
2- Fragilidade branca, de Robin DiAngelo
3- Como ser antirracista, de Ibram Kendi
4- Lugar de fala, de Djamila Ribeiro
5- O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado, de Abdias Nascimento
6- Racismo, sexismo e desigualdade racial, de Sueli Carneiro
7- Mulheres, raça e classe, de Angela Davis
8- Biased (viés racial), de Jennifer Eberhardt
9- Por que eu não converso mais com pessoas brancas sobre raça, de Reni Eddo-lodg
10- Racismo linguístico: os subterrâneos da linguagem e do racismo, de Gabriel Nascimento
11- The Person You Mean to Be de Dolly Chugh. Vale a pena assistir também o TED dela: Como deixar de ser uma “pessoa boa” para ser uma pessoa melhor.
12- White Rage: The Unspoken Truth of Our Racial Divide, de Carol Anderson
O racismo estrutural e estruturante precisa ser desmantelado. Infelizmente, ainda vivemos em um mundo onde artigos como esse aqui e suas mensagens precisam desesperadamente ser reforçados.
Não importa começar pequeno, importante é começar agora. Às vezes, a complexidade de solucionar uma questão tão ancestral e profunda pode levar à inação até porque qualquer pequena ação poderá parecer uma gota no oceano. Essa inação coletiva reforça o status quo. Por outro lado, ações simples e aparentemente isoladas podem gerar um movimento, lembrando que estamos vivendo tempos pós normais, caracterizados pelos 4S (Speed, Scope, Scale, Simultaneity):
Scope (escopo): O mundo está se tornando um lugar “menor”. Qualquer evento, por menor que seja, em uma pequena cidade, pode ter um impacto global, vide a morte de George Floyd.
Scale (escala): o que acontece em qualquer lugar do mundo pode afetar a vida das pessoas em todo o planeta – crise financeira, pandemias, terrorismo, mudanças climáticas, dentre outros.
Voltando à Martin Luther King, “estamos presos numa mesma rede inescapável de mutualidades, entrelaçadas num único tecido do destino.”
Cortesia da imagem da capa: Sureyyya Evren
Fonte: artigo de Lilia Porto, publicado em O Futuro das Coisas
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